Sobre quando fui afetado por dumping trabalhista no comércio exterior.

Provavelmente com esse título você deve pensar que tratarei das condições de trabalho em países como China, Índia e Bangladesh, mas não. Falarei sobre um caso que tive aqui no Brasil.

Certo dia quando atuava como analista de importação e despacho aduaneiro numa Trading Company, meu colega do comercial chega para mim de cara fechada:

– Preciso que você organize a pasta do processo do cliente Muquirana LTDA e me entregue tudo, vamos encaminhar para outra empresa.

– Ué mas a carga tá no porto ainda, há mais de 30 dias, quando que eles vão pagar o numerário?

– Não sei, mas eles fecharam com outra empresa para continuar a importação.

– Mas fizemos algo de errado?!

– Não, nosso concorrente ofereceu o despacho aduaneiro por menos da metade do valor que cobramos.

– Por que ele tá preocupado com esse valor se a mercadoria vale mais de 700k reais?!

E meu colega deu de ombros e bufando de forma que deixou claro que havia perguntado o mesmo ao ex-cliente.

O desanimo maior nesse caso foi que tratava-se de uma indústria muito grande do estado e o valor de nossos serviços eram honestos com o praticado com o mercado.

Ou seja: Barato demais comparado com os riscos da operação, mas o bastante para cobrir os custos e ter uma margem de lucro saudável.

Atenção ao trecho em negrito.

Enfim, vida que segue, e confesso que fiquei um pouco aliviado pois era um cliente chato demais com microgerenciamentos e constante solicitações de desconto…

Falando nisso, já notaram que os piores clientes são os que temos as menores margens de lucro?

Isso dá um gráfico:

Margem de lucro x cliente ruim

Queria inclusive que eu pedisse desconto ao exportador sendo que a compra já estava fechada e não tinha sido eu que havia comprado.

Enfim, mais chato que processo de bagagem desacompanhada.

Naquele mesmo dia havia chegou um funcionário da outra empresa coletar o processo e pude ver no crachá quem era a dito cuja.

Era uma empresa muito famosa no comércio exterior catarinense, alguns diziam ser uma escola e um ótimo lugar para conseguir uma oportunidade de estágio.

Mas a principal fama deles se espalhava ainda na época da faculdade

Dois colegas que estagiaram nessa empresa me contaram que havia uma quantidade surreal de estagiários, comparado com os cargos de CLT.

E o pior, era regra (obviamente que não escrita mas imposta desde o primeiro dia) que todos os estagiários trabalhassem no mínimo 8 horas por dia, mesmo que o contrato dissesse 4 horas.

Não era raro esse meu colega chegar na aula depois das 20 horas porque ficou registrando LI ou preparando DI.

E quem não gostasse ou questionasse que o contrato não estava sendo respeitado, era simplesmente desligado.

Ou seja, diversos profissionais que, além de fazer o trabalho de analistas, não eram remunerados por todas as horas trabalhadas e privados dos demais direitos que teriam como CLT.

Entendido o dumping trabalhista?

E este foi modo operandi por um bom tempo, afinal, gente querendo entrar no mercado de comércio exterior era o que não faltava. 😒

Mas o mundo dá voltas.

Um ano e meio depois desse ocorrido, agora estou atuando como importador na indústria onde terceirizamos o trabalho do despacho aduaneiro.

Meu superior me conta que recebeu um vendedor de uma empresa que presta serviços de despacho aduaneiro e que além do diferencial de atendimento (só ele tem esse diferencial no comércio exterior), possuía um preço muito competitivo.

Novamente, menos da metade que pagávamos aos outros dois despachantes aduaneiros.

Adivinha quem era?

image

Como eu ainda tinha contato com esse meu colega que trabalha na dito cuja (pelo menos ele já havia sido efetivado), confirmei com que nada havia mudado antes de contar ao meu superior como eles conseguiam praticar preços tão baixos.

Felizmente fui ouvido e eles nunca nos atenderam.

Não julgo quem aceita trabalhar em tais condições.

Basta exercitar a empatia para reconhecermos que mesmo com alguns privilégios, nem sempre é fácil começar uma carreira no comércio exterior e muitas outras.

E isso inclui aceitar a única oportunidade que envolve trabalhar uma parte do tempo de graça, ciente que o contratante usa isso a favor para prejudicar seus concorrentes.

O importante é não ser parte disso internamente, aproveitamos a situação de merda para conseguir conhecimento, desenvolver networking e vazar dali para algo melhor o mais rápido possível.

Mas não podemos financiar isso.

Antes de tudo, como deixei claro nesse caso, eu confirmei com uma pessoa lá dentro que essa prática condenável ainda acontecia.

E isso na época me incomodou não porque eu tinha ‘’mindset ESG”, mas porque além de ser concorrência desleal, isso prejudica meus colegas de profissão e todo o comércio exterior é desvalorizado.

Falar a respeito do tema é importante, mas o mais importante é não aceitarmos com nosso dinheiro.

E como nesse meu caso, você não precisa ter cargo de liderança para influenciar na decisão.

E você amiga(o)?

O ocorrido é real, mudei algumas informações de leve para me resguardar e com os envolvidos na época.

Você testemunhou situações similares? O que mais pode prejudicar nosso mercado e colegas de profissão? Conto contigo nos comentários!  

Gostou do texto? Além de comentar, deixe sua curtida e me ajude encaminhando para alguém.

Busca serviços de marketing para sua empresa do comércio exterior?

A Invoice Content está pronta para lhe ajudar, somos uma agência de marketing focada em atender unicamente as empresas e profissionais do comércio exterior e logística. Me chame para conversamos!

Conhece o Invoice Cast?

Invoice Cast é o nosso podcast sobre Comércio Exterior, com o propósito de ensinar, gerar discussões e contar boas histórias de forma que seja um momento divertido e prazeroso falar de nossa área e assuntos correlatos.

YoutubeSiteSpotifyAppleResenhistas do Comex no Whatsapp

Compartilhar:

Posts Relacionados