A história é real, com alguns detalhes alterados por razões profissionais.
Tratava-se da importação de uma das mercadorias mais caras que iria compor a obra de uma embarcação do tipo PSV (não, não estamos falando do time, é sigla para Platform Supply Vessel), uma carga projeto que demandava 2 containers flat rack com mais excessos que nossa desesperança atualmente.
Ou seja: produto e frete bem caros, com Valor Aduaneiro acima dos milhões de reais.
A importação estava ocorrendo como o planejado, mercadoria ficou pronta no prazo, os documentos de embarque foram corrigidos sem dificuldades, a logística internacional ocorria sem sustos.
Embarque confirmado e BL original emitido, perfeito! Apresento os documentos ao financeiro da empresa e solicito que realize o pagamento à vista para que o exportador me enviasse os originais.
E foi a partir dessa solicitação que os prejuízos começaram.
Afinal: como assim “torcer pelo câmbio na importação”?
– O dólar subiu 4 centavos de ontem para hoje e o gerente financeiro decidiu segurar esse pagamento com a corretora – explicou-me o colega do financeiro, depois que o questionei por que o pagamento não havia sido feito na data prometida.
– E quando ele vai pagar? Faltam 12 dias para a mercadoria chegar no porto, não consigo tirar a carga de lá sem os originais.
– Disse ele que entre hoje e amanhã.
Como se tratava de uma importação cujo valor sequer tive 1/10 dela em conta bancária um dia na vida e já tinha experiência em me ferrar na área, registrei a situação por e-mail à diretoria, para deixá-los ciente do risco.
Os dias seguintes foram similares com as repetidas cenas de:
- Eu cobrando o SWIFT para enviar ao exportador;
- Gerente financeiro torcendo para o dólar cair;
- A moeda fazendo exatamente o oposto;
- Eu cantando “Vai dar M
erda” para a diretoria (que torcia junto com o financeiro) igual aos PM em curso.
Os 3 prejuízos causados pela torcida.
OITO dias depois que a carga já tinha chegado no porto de desembarque o pagamento foi feito para o exportador que, para minha sorte (oriunda de minhas súplicas por telefone) me enviou os originais no mesmo dia que enviei o SWIFT.
Por mais que o processo tivesse parametrizado em verde e não houvesse intervenção de órgãos anuentes, dependia dos documentos físicos, especialmente o conhecimento de embarque, para sair do porto.
De modo geral, foram 3 prejuízos sofridos, sendo que o primeiro ocorreu antes mesmo de recebermos a aguardada documentação.
Prejuízo na compra.
É curioso como quando torcemos para cotações de dólar, ações ou criptomoedas o movimento que ocorre é exatamente o oposto e de maneira muito rápida!
Pois que havia passado uma semana de minha primeira solicitação de pagamento e a ferrenha torcida levou um reefer balde de água fria com uma notícia escandalosa que chegou a ponto de afugentar investidores internacionais do Brasil.
Consequência: a cotação do dólar subiu em torno de 21 centavos nesse período de torcida.
Multiplica aí, hipoteticamente, 1 milhão de Bidens vezes 0,21.
Pois é, e o valor nesse caso era bem maior.
Prejuízo nos tributos de importação.
O atraso nesse pagamento comprometeu o início do despacho aduaneiro, pois, por mais que pudéssemos iniciar os trâmites sem os papéis em mãos, não tínhamos toda a informação digitalmente.
Lembrando que o valor de tributos devido é calculado conforme as alíquotas de cada imposto com base na NCM do produto, utilizando como base de cálculo o Valor Aduaneiro (VA = Produto + Frete + Seguro + THC).
Este VA é convertido em R$ conforme a taxa cambial do Banco Central utilizada pelo SISCOMEX, ou seja:
Prejuízo na logística.
E os efeitos nocivos da torcida continuaram a destruir o planejamento orçamentário, tal qual uma bola de neve de fogo das trevas, pois esse mesmo VA do SISCOMEX é utilizado pelos intervenientes para calcular seus valores devidos.
A exemplo do Despachante Aduaneiro, que utiliza o VA para calcular o valor de seu serviço, e os terminais alfandegados para calcular o montante devido de armazenagem.
Assim como os custos de logística internacional são convertidos em Reais com base na taxa cambial do Banco Central, somado daquele spread bonito (que é bom negociar antes do embarque).
A boa notícia aqui é que havíamos negociado um longo free time para os dois containers, do contrário, teríamos mais esse prejuízo para arcar que também seria encarecido pela alta do dólar.
Menos torcida e mais respeito com o planejado.
A moral dessa história foi aprendida pelo financeiro da forma mais cara possível.
Claro que antes disso fui chamado pela diretoria para explicar por que tal processo tinha extrapolado tanto o planejamento de custo que eu havia feito.
Sorte a minha que não foi como acima (quase).
Aí restou ao importador que aqui vos escreve apresentar todo o histórico de mensagens solicitando ao financeiro que realizasse o pagamento (solicitações que foram mais ignoradas que meus tempos de Tinder) e o cálculo com a taxa cambial daquele dia da primeira solicitação, mostrando quanto teria custado caso o pagamento tivesse sido feito então.
Não há muito espaço para reduzir o risco cambial de um processo já em andamento, por isso é primordial realizar os pagamentos ao exportador o quanto antes, sem, naturalmente, desrespeitar os termos negociados.
E você, amiga(o)?
Como disse, a história é real com algumas pequenas alterações porque o objetivo aqui não é apontar culpados, mas compartilhar aprendizados. No entanto, essa realidade é um problema real e presente entre importadores que desejam tirar vantagem sobre algo que, sabemos, é cheio de riscos.
Já passou por situações do tipo? Como agiu? Vamos continuar conversando nos comentários!